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Embora popularizada com o uso de plataformas digitais, a locação de curta temporada ainda não é pacificada na justiça e condomínios podem estabelecer regras
Locação por temporada, ou locação de curta temporada, não é nenhuma novidade nas transações imobiliárias, regulamentada pela Lei nº 8.245/91 (Lei do Inquilinato).
Com a consolidação da economia do compartilhamento via plataformas digitais em diversos setores (alimentação, entrega, venda de usados, coworking etc), a popularização do uso de aplicativos virou uma realidade na locação de imóveis – muitas vezes, curtíssima, de 1 a 3 dias.
A crescente adesão a este modelo de aluguel se tornou um desafio sem precedentes para os condomínios e trouxe novas nuances e debates em torno da prática de hospedagem x locação de curta temporada.
O assunto não é pacificado na justiça brasileira, que já tomou decisões tanto para autorizar quanto para proibir a mesma prática.
No entanto, em novembro de 2021, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proibiu o modelo de aluguel de curta temporada em condomínio residencial, seguindo o mesmo sentido de decisão da 4ª Turma do mesmo tribunal, em abril de 2021. Em ambos os casos, ficou decidido que o condomínio pode deliberar em assembleia a proibição da locação de curta temporada.
Como, então, regulamentar ou restringir esse tipo de prática? Afinal, é possível proibir? Pode-se permitir esse tipo de locação sem restrições? Saiba tudo sobre o assunto logo abaixo.
O que diz a legislação: locação de curta temporada x hospedagem
Primeiramente, é bom que se deixe claro: locação por temporada e hospedagem são conceitos diferentes.
A locação por temporada é regida pela lei federal 8.245/91, capítulo II e seção II, ao passo que a hospedagem está regulamentada pela lei federal 11.771/08.
“No meio jurídico, o que a maioria entende é que se o serviço ofertado não se encaixar em ‘locação por temporada’, deve ser caracterizado como ‘hospedagem’”, explica o advogado especialista em condomínios Alexandre Marques.
A discussão, porém, pode ser grande, uma vez que a lei de locação não determina um prazo mínimo para diferenciar uma da outra.
Condomínio pode proibir ou não o aluguel por temporada?
E como a própria lei de locação não estipula um prazo mínimo para diferenciar-se de hospedagem, fica difícil proibir.
“É uma tarefa quase impossível proibir esse tipo de situação no condomínio, são outros tempos”, explica o diretor da administradora Condovel Carlos José Berzoti.
Para ele, o grande entrave é a questão da segurança no condomínio.
“Se nós já sofremos invasões com o condomínio todo fechado, imagina dando a chave para desconhecidos? ”, pondera ele.
O que Carlos defende é que o síndico chame uma assembleia para, assim, deliberar assuntos como horário de entrada e saída dos visitantes, uso de áreas comuns, etc.
Esse também é o entendimento de Angelica Arbex, diretora de Marketing e Inovação da administradora Lello.
“O modelo existe e está consolidado, lutar contra ele não parece ser a estratégia mais adequada. É necessário conhecer e entender como a locação de curta temporada funciona e relacionar isso à realidade e perfil de cada condomínio, e é o síndico quem melhor conhece essa realidade. Criar um conjunto de procedimentos e regras a serem seguidas, aprovadas em assembleia, e compartilhadas com a comunidade fica mais fácil de construir um ambiente mais harmonioso”, sugere a diretora da Lello.
Discutir o assunto em assembleia também é a sugestão do advogado especialista em condomínios André Junqueira.
O profissional, que atua no Rio de Janeiro, tem participado de diversas discussões sobre o tema em condomínio.
“Os aplicativos de locação são um fenômeno mundial. Caso os municípios, a princípio, não alterem suas legislações, a responsabilidade vai recair sobre os condomínios, realmente”, pesa ele.
Um ponto que o advogado levantou – e que muitos entendem como um ‘caminho do meio’ entre proibir e permitir o serviço em condomínios – é restringir o período que é permitido alugar a unidade.
“Nos locais onde se votou a favor desse tipo de serviço, as ressalvas foram alugar por no mínimo 30 dias e feriados como o carnaval e final de ano, época em que os condomínios em cidade de veraneio já se preparam para receber um afluxo maior de pessoas”, assinala André.
Outros condomínios que conversaram sobre o tema decidiram que o condômino pode alugar, sim, para terceiros, mas desde que seja apenas a sua unidade, e com ele presente.
“Dessa forma, o morador está ali acompanhando mais de perto, é uma segurança a mais”, argumenta Carlos José.
Segurança do condomínio: incluir regras de locação de temporada na convenção
Diante das duas decisões recentes do STJ (abril e novembro de 2021) sobre locação de temporada via aplicativo, a Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC) recomenda que cada condomínio incorpore à convenção regras pertinentes ao assunto.
“É recomendável tratar do assunto de forma expressa na Convenção de Condomínio, adaptando-se à vontade democrática dos condôminos, de forma a permitir ou vetar o uso de aplicativos, até que o tema controverso seja completamente pacificado por novo julgamento com força vinculante ou por alteração de lei”, diz José Roberto Graiche Júnior, presidente da AABIC.
Ele lembra que a alteração da Convenção, segundo o artigo 1.351 do Código Civil, requer a aprovação de pelo menos dois terços dos proprietários das unidades que constituem o condomínio.
Perfil do condomínio tem peso na decisão sobre aluguel de temporada
O perfil do local e dos moradores também deve ser levado em conta ao tomar uma decisão. Há empreendimentos novos, por exemplo, que, inclusive, foram projetados para suportar esse tipo de prática.
“Se for um empreendimento onde haja oferta de serviços como concierge, por exemplo, e outras amenidades, o interesse, via de regra, aumenta”, pontua André Junqueira.
Para esses casos, as questões jurídicas levantadas nessa matéria persistem. Entretanto, como os problemas e riscos enfrentados tendem a ser menores, naturalmente, poderá haver uma maior tolerância por parte da massa condominial que reside no local.
Gustavo Gartner, da Von Gartner Síndicos Profissionais, atende condomínios na cidade turística de Balneário Camboriú, onde há bastante aluguel por temporada, principalmente no verão.
“Mais de 50% das locações por temporada são via imobiliária, o restante é por plataforma digital. Muitos proprietários não moram na cidade e não têm um responsável para representá-los e os condomínios não oferecem serviço de concierge, não há chaves na portaria”, explica.
Nos condomínios que administra, há uma série de particularidades:
- há ficha de cadastro para preenchimento (nome, placa do carro, telefone de contato);
- a maioria tem portaria presencial;
- entrega impresso manual de regras e recomendações para o verão: desde uso da churrasqueira até o descarte do lixo, exaustor, piscina, horários de funcionamento das áreas, regras para pequenos reparos, barulho etc;
- orienta quem aluga para temporada a afixar o manual na porta;
- adesiva, com as principais regras, mesas da piscina e porta de vidro de acesso da área;
- automatização de processos, como reserva de churrasqueira, inserção de senhas de acesso a áreas, monitoramento via CFTV;
- aplicação de advertência e multa para infratores, além de cobrança de consertos ou serviços necessários em decorrência de infração.
Ele relata que há muitas convenções que proíbem uso de áreas de lazer por inquilinos de temporada, e que é difícil controlar quando há poucos funcionários fiscalizando.
“A sensação de pertencimento não é a mesma por parte dos inquilinos de temporada, não têm o mesmo olhar e o mesmo cuidado. Recebo, em média, uma reclamação por semana em cada condomínio”, diz.
Da sua carteira, um condomínio novo e de alto padrão foi implantado com procedimentos para aluguel por aplicativo na convenção.
As infrações mais comuns cometidas por inquilinos de temporada são:
- bebida alcoólica, garrafa de vidro e cigarro na piscina;
- descarte incorreto de lixo (não separar reciclável, sem ensacar, vidro desencapado, deixar fora do latão);
- uso de áreas não autorizadas pelas regras.
Por incrível que pareça, barulho não é um problema – ficam pouco na unidade, já que de dia estão na praia e à noite, bares – e nem há confusões na garagem, já que a maioria das vagas é livre, e onde tem vaga presa, há combinado entre as unidades e carros identificados.
Ele relata que já teve problemas de prostituição e tráfico de droga. “Resolvi dificultando acesso, impondo um controle de entrada rígido ao exigir que o proprietário desça para receber o visitante. Causou desconforto, mas, em dois meses, acabou.”
Desvio de finalidade no condomínio
Um dos pontos mais sensíveis para os condomínios é a questão da segurança. Ninguém quer ver o próprio condomínio transformado em um apart-hotel, onde a cada dia se encontra com pessoas diferentes no elevador, e que não façam parte daquela comunidade.
“Quem quer alugar pensa ‘não tem regra específica contra isso’. Mas a própria lei já proíbe”, pondera o advogado especialista em condomínios Rodrigo Karpat.
Isso porque há também a questão do zoneamento do condomínio. Muitos empreendimentos foram construídos em áreas estritamente residenciais, o que vetaria o uso comercial dessas áreas.
“Para funcionar como um apart-hotel, ou um condo-hotel, o local precisa de um alvará de funcionamento, o que um condomínio não tem. Também é importante dizer que esses locais contem com infraestrutura adequada para receber um grande número de pessoas, o que não é o caso da grande maioria dos prédios residenciais”, argumenta André Junqueira.
Justamente por se tratar de uma atividade comercial, outra questão a ser levantada é se há – ou não – desvio de finalidade, se há mudança na destinação das unidades do local, passando de unidades residenciais para comerciais.
“Eu entendo que sim, e que nesse caso, para que os proprietários sigam ofertando unidades para hospedagem, o ideal é que haja uma mudança na convenção. Para isso, é necessária uma assembleia e concordância de 100% dos condôminos”, opina Rodrigo Karpat.
Essa não é, porém, a visão do também advogado Cristiano de Souza, especializado em condomínios.
“Entendo que quando você aluga, seja um sofá na sua casa ou um quarto, seria a mesma coisa que receber um amigo que vem de fora. Não cabe a ninguém questionar isso. É sua propriedade. Por outro lado, se você deseja locar a sua unidade, independente do período, se encaixa na legislação de locação. Não há alteração de finalidade da unidade no meu entendimento”, crava ele.
O que o Airbnb diz
Assim como Cristiano, esse também é o entendimento das plataformas de locação por temporada, como o AirBnb, que enviou o seguinte posicionamento para nossa reportagem:
“O direito de propriedade é constitucional e regulamentado pela legislação civil e condominial (no que for aplicável). Não há qualquer fundamentação legal para se restringir o aluguel por temporada. Na imensa maioria dos casos, as tratativas desse tipo de locação transcorrem de maneira pacífica por meio da plataforma e de maneira a não prejudicar o direito dos proprietários dos imóveis. Sempre incentivamos o diálogo entre nossos anfitriões e seus condomínios”.
A plataforma apontou também que, “entre as centenas de milhões de chegadas de hóspedes já realizadas por intermédio do Airbnb desde a sua fundação, incidentes negativos são extremamente raros”.
A empresa vem investindo em comunicação de boas práticas para anfitriões e hóspedes para promover a boa convivência com vizinhos, com guias orientativos, como as páginas Aluguel por Temporada em Condomínios e Guia Especial para Síndicos e Administradores, além de canais de atendimento 24 horas.
Vale mencionar que outros sites também fazem esse “meio de campo” entre quem quer alugar e quem está viajando, como o site Booking, o couchsurfing, e o Vrbo (antigo AlugueTemporadas).
Decisões judiciais sobre locação de curta temporada
Importante salientar que há decisões judiciais para os dois lados: tanto o de quem quer proibir, como daqueles que querem permitir o aluguel de curta temporada em condomínios residenciais.
Riscos do aluguel por temporada
Além de todo o questionamento que envolve o assunto, há também riscos específicos para o condomínio.
“Os empreendimentos hoteleiros têm condições para isso: receber muitas pessoas com qualidade e conforto. Mas me pergunto se um hóspede, estando na área comum do condomínio, sai da piscina, quebra um pé, um braço, e processa o condomínio. É justo que toda a comunidade arque com uma despesa porque uma unidade desejou lucrar com a sua unidade? ”, indaga Alexandre Marques.
Outro ponto também a ser levantado é a possibilidade dessa pessoa receber visitas na unidade.
“O condomínio fica muito vulnerável. Imagine se um hóspede usar a unidade para encontros, e marcar um ou dois, todos os dias. Eu acredito que isso seja prejudicial para os condomínios”, aponta Alexandre.
Há também a questão dos funcionários. Os mesmos podem sentir que estão fazendo além da sua função ao receberem “hóspedes”.
“Depois, o porteiro ou o zelador entram com uma ação trabalhista contra o condomínio e novamente todos devem arcar com os ônus, pelo bônus de uma minoria? ”, questiona Alexandre.
No seu condomínio: como decidir
Mesmo havendo decisões judiciais para os dois lados, caso o seu condomínio decida fazer uma assembleia para deliberar sobre o tema, é importante discutir alguns pontos-chave:
- Restrições de prazos: qual o período mínimo de estadia e frequência máxima de locação para terceiros;
- Deixar claro que todos devem seguir as regras do regulamento interno e da convenção do condomínio, não importa se está pagando um dia ou o um ano de aluguel;
- Entrega das chaves: os funcionários do condomínio não devem ficar responsáveis por isso (seja para quem está alugando ou para moradores);
- Entrada e saída: que ocorram, preferencialmente, das 06:00 às 22:00;
- Funcionários do condomínio não devem ficar responsáveis por checar as unidades depois da saída de quem alugou;
- Uso das áreas comuns: alguns condomínios vêm tentando ao máximo restringir o uso das áreas comuns por hóspedes ou locatários de curta duração.
“Muitas dessas questões são polêmicas, como a restrição das áreas comuns, por exemplo. Mas alguns juízes entendem que se a assembleia decidiu, é válido para o condomínio”, pesa Rodrigo Karpat.
Conclusão
Infelizmente, não há um caminho certo, ainda, a ser seguido pelos condomínios no que diz respeito ao assunto.
Justamente por isso, o fundamental é que haja uma discussão em assembleia para que, pelo menos na sua comunidade, haja regras claras e todos estejam cientes dos seus direitos e deveres como condôminos.
Fonte: Síndiconet
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